Monday, August 28, 2006

Ora Eça


Deu preguiça de tirar fotografia ao meu exemplar. Foi nesta viagem que se descolaram as folhas coladas. Continuo a dizer que esta gente que publica livros colados em vez de cosidos não os ama verdadeiramente.
Por vezes na vida também é assim, estamos entretidos a folhear e começam a soltar-se folhas. Fincamos o pé e revoltamo-nos, obstinadamente procurando manter folhas soltas ou tenuamente agarradas por um fio. Fechamos o livro momentaneamente, de olhar pesaroso ou carregado de raiva, agora a lombada não nos surge tão uniforme, deformada por um maço de folhas que espreitam além da linha das restantes, das restantes que nos parecem arrumadas, no seu devido lugar.
Há vários anos atrás voltava a casa inchada de orgulho pelo achado feito num alfarrabista. Uma edição d'O Primo Basílio do início da década de trinta, século passado. Nunca pensamos no XX como sendo o século passado, mas deu-me jeito salientar isso aqui, aumentando o inchaço orgulhoso e tolo. Preparava-me eu para folhear com todo o cuidado a minha descoberta quando alguém pegou no livro e o deixou cair no chão, soltando uma parcela da frágil, cansada e idosa lombada cosida. Hum... deve ter sido aí que o fim do namoro se iniciou verdadeiramente...

Friday, August 25, 2006

adenda


r_t_braga
Originally uploaded by Kanuthya.

Rua Teófilo Braga, Sines.

Uma entrada pequena para os Galegos fica mais acima, ou melhor, atrás da perspectiva do fotógrafo. Fotografia roubada sem autorização à página do Município.

Os outros galegos





Já os tinha prometido aquando dos pastéis de Belém, e a premência acentuou-se com o excerto sobre os galegos de uma Lisboa desaparecida, ou melhor, adormecida. Entretanto, a imagem dos nossos galegos de Sines é tão forte nas mentes de quem por via das andanças da vida passa por Sines, que a nossa Carolina adiantou-se no comentário ao post anterior, adivinhando o que eu aqui pretendia escrever. Como não prestar homenagem a quem nos adoça as papilas gustativas há tantos anos? Não é pouca coisa, atentem, que para amarga basta a vida, como diria meu avô. E meu avô é muito sábio, mind you. Não nos atrevamos a não seguir pois seu conselho.
Uma das coisas que me diverte é escutar as pessoas de Sines aconselhando quem se encontra de passagem a experimentar as delícias da pastelaria dos Galegos. Depois podemos seguir os pobres coitados gulosos em busca da pastelaria inexistente, porque os nativos ou adoptados da terra esquecem frequentemente que não é esse o nome do dito estabelecimento, mas sim Pastelaria Vela D'Ouro. Fica na zona velha da vila, perdão, cidade, ehm. Eu continuo a chamá-la de vila, é assim que a amo, e muitos o fazem obstinadamente, seguindo os preceitos das verdadeiras paixões assolapadas.
O respeito pelos irmãos pasteleiros é tão grande que lhes perdoamos a fila de trânsito na rua do lado, quando a carrinha pára para descarregar tabuleiros de fumegantes e olorosos pastéis, bolos e bolinhos, e ficamos sorrindo placidamente ao volante, salivando. O espaço no velho estabelecimento é reduzido para tão grande procura, mas eles já se renderam a lá ficar. É curioso que há anos abriram uma filial noutra zona, mas as pessoas continuavam a preferir acotovelar-se na velha pastelaria ao lado do castelo.
Há anos, também, fui buscar um bolo de aniversário à sua casa de fabrico mor, na zona industrial ligeira. Esperava receber o pacote das mãos da empreganda de balcão e pagar, quando sai o mestre pasteleiro e vem colocar-me o braço em cima dos ombros, explicando-me as modificações que havia realizado na receita, um bolo de massa mista de pão-de-ló achocolatado, com camadas de finíssima massa folhada entremeada com ovos moles. Saí de lá com um sorriso de orelha a orelha, tinha falado e confidenciado segredos doceiros com uma figura mais imponente que qualquer presidente da câmara.

Tuesday, August 22, 2006

Galegos


Daqui vem parte do que sou. Para aqui parece que vou, por algum tempo, daqui a algum tempo.
Neste continente galegos são mesmo os naturais da Galiza, na Lisboa antiga era nome dado a moços de fretes, recados, e moços de esquina (o que quer que tal signifique...). Venho a descobrir, com esgar triste e repelente, que em sentido figurativo, o dicionário refere o uso de galegos para pessoas ordinárias, fracas, de pequeno valor. Creio estar perdido há muito este valor do termo. Em geral o som da palavra coloca um sorriso na face. Do outro lado do oceano, porém, a palavra adquiriu sentidos diversos. Não vou verificar, refiro só o que recordo. Recordo que é adjectivo aplicado a pessoas que trabalham muito (como aliás também sucedia em Portugal, como se compreenderá num próximo post, embora actualmente poucos jovens o saibam), e a pessoas de pele clara, cabelos loiros, como a Eduarda, personagem de Riacho Doce, de José Lins do Rego, que era sueca. É natural que assim seja, galegos, minhotos e transmontanos misturaram-se, e há predominância de peles, cabelos e olhos claros. São celtas, na sua origem. Festa de romaria que se preze tem de nesta zona ter gaita de foles.
Calo-me e dou palavra a outrém. Este texto foi-me oferecido num pedaço de papel arrancado de alguma parte, talvez de uma agenda original, que em vez de frases inspiradoras apresenta para cada dia um pedacinho de história.
Só alguém que me ama muito e me conhece bem me poderia dar tal prenda. Obrigada, S.

Os senhores da água, os galegos, merecem uma nota que os separe dos que aparecem sempre na sua companhia, como negros, mulatos, mouros, etc... Por duas razões: porque em finais do século XVIII já eram 60 000, número considerável em relação à população total de Lisboa, e porque a sua acção foi importante na história da alimentação da cidade, tão importante que essa acção chegou aos nossos dias transmitindo usos que se transformaram em emblema da cidade como, por exemplo, as populares "iscas com elas". Era gente forte, muito robusta, preparada para trabalhos pesados, que tinham como característica principal serem muito económicos. Não se metiam em brigas, e nunca eram tidos como culpados de qualquer roubo ou crime. eram orgulhosos e desembaraçados e raramente ofereciam os seus préstimos, aguardavam que alguém os pedisse. Os galegos em Lisboa eram vendedores de água, moços de frete de corda ao ombro, moços de lojas e armazéns, criados de hospedarias e casas particulares, cocheiros, trintanários, varredores de ruas e empregados das tabernas e casas de pasto. foi nesta actividade, e na de aguadeiro, que se tornaram conhecidos e que se enraizaram na cidade. Trabalhavam muito, viviam economicamente edepois de juntar algum dinbheiro, partiam para as suas terras e compravam um terreno. Em 1801 houve uma tentativa de os expulsar por causa da guerra mas o Intendente Geral da Polícia avisou que, expulsando-os deixava de haver quem servisse a cidade. Foram deixados em paz e continuaram. Em relação aos criados portugueses, mais subservientes, os galegos eram mais orgulhosos, mais limpos, mais fiéis e mais sóbrios. Quando chovia e a lama deixava as ruas da cidade em estado lastimável, eram eles que carregavam as pessoas. Os que vendiam água iam encher as suas barricas decoradas aos chafarizes e depois apregoavam a "áááágua freeesca, frisquinha, quem quer beber áugua freeesca?". vendiam cada copo de água a 5 réis. [...]

Alfredo Saramago, Para Uma História da Alimentação de Lisboa e Seu Termo

trintanário - lacaio que vai ao lado do cocheiro e que abre a portinhola da carruagem.

Thursday, August 17, 2006

momento religioso - cumprindo promessas



Com estas coisas não se brinca. Promessas são para ser cumpridas. O corpo prega partidas, mas um dia desses apanho-o de jeito, e depois conversamos...
Polvilhar. Belo verbo. Primeiro o açúcar em pó.


Canelando. E salivando, perante a indiferença dos marmanjos que se preparavam para se banquetearem...

E com esta brincadeira, enquanto tentava recompor-me com água com gás, isto foi o que restou dos Pastéis de Belém... De estômago cheio e limpando o açúcar polvilhado da barba rala, o meu irmão garantia-me, a título de consolo, que os pastéis de nata dos Galegos são ainda melhores. Como Siniense (sim, escreve-se assim) honorária que sou, dei-lhe toda a razão. Sobre os Galegos, os de Sines e outros, notícias em breve.

Mini-actualização a pedido da amiga Ali (ou obsessões pasteleiras)


Bom, foi a melhor foto que pude achar :) Este bom bocado está em formato de tarte familiar, mas é o que mais se assemelha ao doce a que me referi. Na foto tem massa folhada, ficando ainda mais parecido com o pastel de nata, mas o da tal pastelaria é feito com uma outra massa, e o recheio também tem diferenças de sabor. Existe uma infinidade de receitas, algumas com côco, amêndoa e frutas cristalizadas (argh). Curiosamente, só encontro o bom bocado à venda em Lisboa. estou certa de que existe noutros pontos de Portugal, mas só o como no Príncipe Real :)

Wednesday, August 16, 2006

O pombo cumpriu o seu papel...


...mas a fotógrafa inepta não quis ligar o flash para não chamar ainda mais a atenção dos empregados. Não resultou, e o pombo foi expulso do café ao Príncipe Real na mesma.
Há quem lhes chame ratos alados. Não vou tão longe, o meu amor por animais de toda a espécie é conhecido ( os ratos podem ficar no campo, onde pertencem, felizes alimentando-se de grãos, escavando tocas e fugindo de bichezas maiores - sempre me parece um destino bem mais épico e natural que fugir a uma ratoeira ou veneno - obrigada pela atenção e não voltem, por favor).
Acho curioso o cognome, porque logo ali ao lado do Príncipe Real fica o Largo do Rato.
Toda esta conversa pretendeu provavelmente distrair-vos do facto que na vitrine pasteleira se encontram São-Marcos (os rectângulos recheados de creme branco) - isto é, os que sobreviveram à fúria gulosa do meu acompanhante.
Já eu prefiro outra especialidade desta pastelaria - os Bom Bocado. Se puderem, não percam. Um manjar. Tive de os comer com o olhar, mas não faz mal, esse também precisa de alimento.

Eu tentei

mas não dá.
De spam fica só a recordação gloriosa dos meus Monty, estes sim, a não perder.





Por cá volta a verificação. E como há que sofrer, voltam os torturantes caracteres retorcidos, daqueles que para serem decifrados exigem torcer o olho. Rai's part'a pandilha.

Monday, August 14, 2006

Bilhete a Lisboa


Diz-me das tuas fontes de pedra escurecida, dos cafés onde entram pombos sem pedir licença, que empregados de mesa enxotam julgando que os clientes se importam, dos eléctricos amarelos que passam soando sino, ainda passam, penso sempre que os vejo e ouço, ainda passam, penso, e pergunto-me até quando passarão.
Diz-me das escadarias estreitas, intermináveis que enfeitam o teu corpo, desta confidência tola feita entre duas fêmeas, em que uso pulseiras no tornozelo e tu escadinhas como enfeite, e, como gajas que somos, sorrimos das nossas vãs vaidades.
Diz-me como te manténs de luz banhada e céu azul, nessa sempre perpétua e renovada surpresa aos meus olhos; como atravessando as tuas pontes, que são os teus braços estendidos, vejo um manto cinzento que te envolve como um espectro mau, e depois, como?, diz-me, já perdida em ti, ergo sempre os olhos para um azul tão limpo. Tão azul.
Diz-me se guardas em algum recanto teu as cartas de amor que os poetas te vêm escrevendo desde tempos imemoriais.
Se nada disto me quiseres dizer não me inquieto, segues contando-me segredos, mesmo quando pareces estar mergulhada no teu silêncio.