Wednesday, August 18, 2010

Chagas de Salitre, Ruy Duarte de Carvalho

Olha-me este país a esboroar-se

em chagas de salitre

e os muros, negros,

dos fortes roídos pelo vegetar

da urina e do suor

a carne virgem mandada cavar

glórias e grandeza

do outro lado do mar.

Olha-me a história de um país perdido:

marés vazantes de gente amordaçada,

a ingénua tolerância

aproveitada em carne.

Pergunta ao mar, que é manso

e afaga ainda a mesma velha costa erosionada.

Olha-me as brutas construções quadradas:

embarcadouros, depósitos de gente.

Olha-me os rios renovados de cadáveres,

os rios turvos de espesso deslizar

dos braços e das mãos do meu país.

Olha-me as igrejas restauradas

sobre ruínas de propalada fé:

paredes brancas de um urgente brio

escondendo ferros de educar gentio.

Olha-me a noite herdada,

nestes olhos de um povo condenado a amassar-te o pão.

Olha-me amor, atenta podes ver uma história de pedra

a construir-se sobre uma história morta

a esboroar-se em chagas de salitre.


in A decisão da idade