Friday, December 17, 2004

olha

Olha,
sei que me tenho desleixado, não te levo para fora, não digo que reparo na forma como a madeixa de cabelo te tapa a cara, não a afasto e não sentes as minhas mãos emoldurarem-te o rosto assim, numa fotografia que ficaria para sempre comigo, que não podes rasgar, que não podes levar contigo agora, que o turquesa te fica bem, que gostava de vez em quando de te deixar bilhetes quando saio e nunca o fiz, não te falo em cadência que condiga com que aqui vai quando te vejo descer as escadas e guardo comigo esse som de madeira sobre madeira que só tu podes produzir, assim esse timbre exacto, que não te pergunto porque não falas, olha, já pendurei as prateleiras na cozinha, e sei que estás cansada, exausta dos silêncios sem cumplicidades, tirei a roupa da corda, esses estendais que enfeiam a nossa rua e a nossa varanda, onde não cheguei a fazer os furos para as floreiras, que podiam ter sardinheiras vermelhas, assim a dar um ar feliz, sabes dizer porque motivo as floreiras dão um ar feliz às casas? Há pouco aqueci os restos de ontem para o jantar. Estão dois pratos, parelhas de talheres, copos de pé alto, como tu gostas, os guardanapos com girassóis. És capaz então de me dizer. Porque porra não chegas.