Monday, August 28, 2006

Ora Eça


Deu preguiça de tirar fotografia ao meu exemplar. Foi nesta viagem que se descolaram as folhas coladas. Continuo a dizer que esta gente que publica livros colados em vez de cosidos não os ama verdadeiramente.
Por vezes na vida também é assim, estamos entretidos a folhear e começam a soltar-se folhas. Fincamos o pé e revoltamo-nos, obstinadamente procurando manter folhas soltas ou tenuamente agarradas por um fio. Fechamos o livro momentaneamente, de olhar pesaroso ou carregado de raiva, agora a lombada não nos surge tão uniforme, deformada por um maço de folhas que espreitam além da linha das restantes, das restantes que nos parecem arrumadas, no seu devido lugar.
Há vários anos atrás voltava a casa inchada de orgulho pelo achado feito num alfarrabista. Uma edição d'O Primo Basílio do início da década de trinta, século passado. Nunca pensamos no XX como sendo o século passado, mas deu-me jeito salientar isso aqui, aumentando o inchaço orgulhoso e tolo. Preparava-me eu para folhear com todo o cuidado a minha descoberta quando alguém pegou no livro e o deixou cair no chão, soltando uma parcela da frágil, cansada e idosa lombada cosida. Hum... deve ter sido aí que o fim do namoro se iniciou verdadeiramente...

5 comments:

Anonymous said...

Em outubro ocorre o FEIA, o festival dos estudantes do instituto de artes da universidade onde leciono. No ano passado frequentei uma oficina de desenho animado. Este ano será a vez de uma oficina de encadernação (cosida). Que coincidência...

Ali Ambrosio said...

Inspirada com os seus posts sobre a Galícia, digo aqui: Que lástima!

Quando eu era pequena, na escola primária no Novo México, tivemos uma professora de arte maravilhosa. Ela nos ensinou a fazer os próprios livros - páginas de papel reciclado, cosidos à mão, a capa coberta de tecido grosso. Ela também nos ensinou a fazer caligrafia com aquelas canetas especiais, e foi nessa época que minha maneira de escrever, de formar as letras, foi definida para sempre.

_+*Ælitis*+_ said...

Lembro-me de quando eu era "quenina", ver na colecção de livros da minha mae (sobretudo livros cubanos, por razoes evidentes) umas fitinhas douradas de lado. Reparava que os livros eram todos cozidos (mesmo que fosse de maneira automatica, certo?) assim o eram e tinham o seu encanto. Hoje as capas ja nao sao tao grossas, o papel é mais fino (recyclage oblige) e tb porque seria pesado nas pastas dos alunos atuais, que querem tudo menos estudar.

Bref, deixo aqui meu beijinho e li o post muito muito abaixo.

Beijos!

Anonymous said...

un libro rilegato è per sempre.
un libro incollato, chissà.
Forse le pagine vogliono staccarsi e uscirne, e le parole vivere altrove.
Chissà se le parole chiuse in un libro sono finalmente libere, o davvero prigioniere
F

Carolina said...

De antologia essa sua analogia entre as encadernações mal consolidadas e as amizades ou os amores que o tempo ou os acontecimentos fazem com que, também eles, se desatem, se descolem, se desfolhem!
;)