Celebrar o Futuro - Mia Couto - III
"Um encontro de culturas exigia que entre os interlocutores se anulasse qualquer relação de poder, qualquer laço de subordinação. A revelação e entrecruzamento de valores e tradições requeria uma relação entre seres soberanos. A dimensão do colonialismo não foi, contudo, tão omnipresente, perfeita e acabada como se pretende fazer crer. Uma dominação tão absoluta exigia uma outra capacidade da potência colonizadora. O edifício estava fracturado, o tecido sempre esteve descosido. Encontros de culturas aconteceram em níveis e momentos particulares, em ocasiões excepcionais em que os homens foram capazes de se sobrepor às circunstâncias sociais. Nesses momentos, sim, houve intercâmbio, namoro e hibridação de culturas.
Desse encontro ficou o sabor doce da mestiçagem, uma vocação de aceitar o outro e conviver com a diferença. Ficou uma língua comum que deve ser saudada exactamente pela forma como pode deixar de ser "portuguesa". A adopção de uma língua comum, longe de uniformizar, é um meio de afirmar a nossa individualidade. Paradoxal nos parece: a língua do outro fazendo-nos soberanos e únicos. Teríamos, ao fim e ao cabo, outros motivos para celebrar os chamados Descobrimentos. Experimentemos o seguinte pensamento: quando os navegantes portugueses chegaram não havia "moçambicanos". O processo posterior de colonização foi quem unificou os povos deste território, lançando as bases da nação. Vasco da Gama foi, ironicamente, o prenunciador desse longo processo da criação da moçambicanidade."
2 comments:
(come dirò anche a Quel, leggo blog molto lontani nel mondo, in questo periodo, come sai. Ma qui ci torno sempre, anche se non c'è molto tempo per fermarsi a commentare. Ma a leggere di Mis Couto, questo sì)
effe sei sempre benvenuto :)
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