Friday, May 26, 2006

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Bissapa fez a sua entrada em África pelo Índico, distante, como tudo é distante lá, de uma distância que se torna difícil dar a compreender na Europa, distante também da minha África Atlântica. Também não é esse o nome com que a chamam, Bissapa é nome só meu, folhas de chá príncipe quer dizer, eu te baptizo a meu bel prazer.
A terra não é só banhada pelo Índico, é inundada pelas desgraças de quem não quer ver, de quem não quer saber, de quem não quer entender nada, de meninos perseguidos pela sombra que neles se entranha de doença de nome feio, sujo, que se tenta não pronunciar como se por osmose também de nós ela se pudesse apoderar. São deles, desses meninos, as mãos que colhem delicadamente, pedindo autorização ao areal, os búzios, que depois entrelaçam.
A Bissapa traz até mim um pedaço desse Índico, e cada peça é um menino, uma mão de menino estendida para mim, oferta prodigiosa como só pode realizar quem tem pouco para dar aos olhos do mundo. Como os meninos da minha terra.Estendo a capulana na parede branca, ao cimo das escadas, cada subida uma viagem para os olhos da alma. Pegando com cura no colar, solta-se um búzio, solitário, os outros olham-no frágeis, ainda agarrados ao frágil fio que os sustenta, no que se libertou não encontro motivo regido pela física que o justifique. Coloco-o de parte, não o misturo com nenhum dos despojos marítimos pelos quais tenho obsessão e que recolho, também eu no meu ritual respeitoso, pedindo autorização aos areais, não fica sepultado em nenhuma vala comum de recordações, tem o seu lugar único. Espero que, quando do frágil fio se soltou, tenha tido uma mão como a da Bissapa para ampará-lo lá, no outro lado.

3 comments:

Inês Leitão said...

A bissapa tem saudades tuas, e de lá.

Anonymous said...

há muito que não me saboreava com tuas palavras...agora sim, estou serena e saciada com tanto da tua essência. Grata de tanta beleza.
Estou bem, obrigada.
Amo-te muito.
soraia**

Carolina said...

Como sempre...Liiiinnnndo!
;)