Tuesday, October 04, 2005

Seis Janelas - Soraia Galhardo


Tenho à minha frente as seis janelas que me pintaste. Não estão penduradas. Posso pegar nelas e levá-las para onde for, debaixo do braço. A imagem não lhes faz justiça, é redutora, tal como o são as palavras que agora escrevo com luz de uma vela e a luminosidade de um écrã de televisão, companhia para alguém que clama dar-se bem com o estar fisicamente só.

Fecho os olhos e tenho uma idade qualquer, convinha ser criança e embarcada numa fantasia de fuga de casa, mas desconfio que pouco funcionaria tal ideia, era acusada de fugir com frequência, mas não se passava nada disso, os grandes ignoravam que simplesmente não me ocorria avisar alguém do que faria nos próximos tempos. E saía, assim, distraidamente porta fora. Fecho os olhos e tenho novamente essa idade qualquer perdida numa linha imaginária a que convencionámos chamar de tempo. Debaixo dum braço poderia levar a tela, no outro talvez o tradicional urso, que para mim sempre foi o Beto, hoje cego, sem nariz, de braços remendados e a pelúcia ruça das lavagens. Não pesam nada, o resto que vai cá dentro sim.

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