Tuesday, August 30, 2005

voarei daqui


costumewings
Originally uploaded by Kanuthya.

Seria Natal? Talvez. Tenho febre e sou alçada da cama com esforço,

-são horas, pinguim de água doce.

Não sei como me levam para aquele teatro, desconheço a peça, enredo ou a personagem que desempenho. Alguns diziam aos filhos que eramos os retornados, que vínhamos piorar a situação de crise, tirar empregos aos de cá, que se tinha acabado a nossa vida boa. Eu não sabia o que aqui fazia e não retornara de sítio algum, só queria deitar-me e que a mãe me envolvesse na manta e me pusesse panos frios na testa. Ao meu redor correm todos apressados, enfiam-me em collants infantis coloridas e pregam-me asas de borboleta. Picam-me com os alfinetes que prendem os apêndices e é pena que me doa, senão levantava voo dali para uma cidade quente e levava-a comigo,

-está quieta miúda, deixa pregar as asas,

Não sei onde entro na peça, vejo-me em palco maquinalmente, corrompendo aquele espaço sagrado que deve libertar, mas o corpo está quente e até asas de borboleta pesam. Ela está sentada à frente, nos primeiros fatos que protegem do frio, desconhecidos da sua pele branquíssima habituada à distância entre o morno da planície em que nasceu e ao escaldante da baía em que me pariu. Devo vê-la sorrir ao ver-me assim, o cabelo num coque como uma pequeníssima bailarina, e as asas esvoaçantes. Sorria por não saber que as asas me picavam.

Nas fotos que nos entregam está no seu fato invernoso, pensando na sua morna terra, talvez adivinhando que eu preferiria colocar à volta da cintura as franjas que usava quando era ainda mais pequena, e ensaiar um merengue. Mesmo que estivesse a arder em febre.


1 comment:

Carolina said...

Pois é! Coisas tristes da vida!
Lembranças...de borboleta com dores de asa!