Monday, June 20, 2005

O rapaz que olhava as estrelas

John Russell

Na passagem do milénio, que não deixa de ser criado por nós (será mais artificial e fugidio da natureza por isso?), um rapaz refugia-se nas montanhas ermas onde o gelo derrete, levando consigo troncos vergados e caídos das tempestades, arrasta segredos pelas encostas abaixo, entregando ao rio turbulento seres perecidos nas durezas do Inverno, carcaças não são, que permanecem conservadas meses a fio pelo gelo, para virem a encontrar nas águas que correm o banho final que revela o que deles resta.

Destrói documentos, rasga cartões de crédito, perde meios de comunicação, e toma para si um novo nome. O rapaz deixa um caderno, e pronto, está vista a minha predilecção por ele, rapazes e cadernos e está tudo perdido. E deixa um telescópio ao seu mano, para que o continue a ver entre as estrelas. Na escuridão que precede a aurora boreal os seus passos traem-no, ele que julgara encontrar o seu real trilho, e fere-se de morte, perdendo os seus fluidos vitais e o sangue que pulsa e impulsiona a sua máquina. As dores corroem-lhe o físico, logo agora que a alma finalmente sorria, e arrasta-se entre folhas secas, pedras que o arranham, descidas vertiginosas que lhe podem terminar a dor a qualquer momento, basta que se deixe cair. Arrasta-se até à beira da encosta para ver em lugar privilegiado da plateia o presente que Deus coloca no hemisfério norte, profusão de cores bailando, o espectáculo que escolhe para deixar os olhos corpóreos e perecíveis.

Vão buscá-lo e arrastam-no numa maca improvisada de galhos e lona, até às conveniências de salvamento. Aceita ajuda, permanece num moderno hospital, longe das matas, cicatrizam-se feridas e ganha-se de novo mobilidade, pais rejubilam por crerem ter de volta um filho que julgam conhecer. Em manhã limpa, assim que pode caminhar, deixa o caderno sobre o leito hospitalar e reassume o nome e vida que o escolheu. E ela estava lá, à sua espera.

4 comments:

Anonymous said...

O que será isso, de ter alguém que nos espera???
Deve ser bom!!!...

Anonymous said...

Ela era a vida

Anonymous said...

...acho eu eheheh

Anonymous said...

Pois, a vida...
Essa espera-nos sempre,nem que seja para nos "lixar"...a vida!