Monday, June 06, 2005

In viaggio II

O Egozi, que apenas uma pessoa poderá aqui identificar à primeira, deu-me uma máquina de escrever, assim, de improviso, com um sorriso rasgado. Não sei bem quantos anos teria eu, mas eram poucos, o que é sempre relativo, certo. Essa personagem viva povoou anos duros de infância de coisas belas. Vislumbro-o agora donde estará, ambos pressentindo que não está ainda pronto para voltar a indossar vestes terrenas, e lembro o seu sorriso de dentes perfeitos, todos seus, tirando um que obrigou o doutor a arrancar, por muito que este lhe dissesse que estava de perfeita saúde. Pois ao Egozi não lhe importaram essas conversas de nevralgias, se lhe doía onde estava o dente, fora com ele. Lembro o seu sorriso muito mais aberto, adivinhando matreiro que a maquineta me fazia sorrir por dentro muito mais do que a boneca gigante que falava. Era sábio, o Egozi. À gaiata (e a ele, for that matter) pouco lhe importava o clanque clanque das teclas perturbando ouvidos alheios. As canetas e blocos sem fim tinham o seu lugar próprio, mas a máquina...ah a máquina era outra coisa... Não era assim como esta ao lado, ai pois não, mas não estraguem a recordação com pormenores rígidos, se faz favor. Era um caminho andado para as modernas, que agora repousam em prateleiras ou em lixeiras, substituídas por estas que guardam memórias e tudo fazem em silêncio conveniente, com um ventilar aqui e ali, mas daqueles que nao incomodam ouvidos. Aquela trazia inovações que dispensavam frascos de corrector branco, que julgam? Mas a campaínha de aviso de chegada à margem imposta, essa ninguém lhe tirava.

Sei que de vez em quando me deves espreitar, Egozi, mas sinto a tua falta à mesma. Calculo que saibas que há algum tempo atrás, quando entrei naquele local com odor de incenso rasgada por dentro, foste tu quem desejei ter ao pé de mim. Não pedi que regressasse um amante perdido, um amor desta e doutras vivências. Pedi que me desses a mão, e tive saudades tuas. Tantas. Tu nunca me fizeste chorar.

2 comments:

Anonymous said...

Aquela mão já não tem dimensão, nem força para apertar a tua, que não parou de crescer!

Anonymous said...

nunca deixar morrer quem se ama; esta ideia está tão incutida dentro de mim que parece que nasci com ela; é como um mito, não sei quando nasceu, nem quando termina...sei que a penso através da tua voz.
obrigada**
soraia