Tuesday, June 14, 2005

Confissão


duo accordéon mélancolique
Originally uploaded by Kanuthya.

Há paixões assim, que se distribuem por vários corpos e sonoridades, como se um só não bastasse para abarcar tanta coisa.

É de baba e ranho, ainda que soe mal aqui dizê-lo, mas se é verdade, que fazer? Ainda em tempos que chorar era difícil, com o acordeon foi sempre limpo e fez escorrer sem esforço gotas de sal. Ele perdoa-me o fraco que tenho por violinos, na tendência melodramática que impõem ao meu corpo, assim ao jeito kitsch de um Almodovar. Mas o acordeon, senhores, dito mesmo assim ignorando o portuguesismo, esse vem como nadar nua após a zona de rebentação no mar ou como o mais longo orgasmo. E é tolerante essa paixão, que não costuma sê-lo. Vai desde gargalhadas com as estórias de um algarvio que, ouvindo a senhora dona Eugénia Lima se derretia, balbuciando entre baba que lhe escorria, Que "habulidade" do dedo, que linda mulher para mim; é de um Piazzolla de olhos fechados rasgando as nossas entranhas com tanta beleza, é da pureza concertada por dedos vários e lágrimas finas escorrendo ouvindo Danças Ocultas, um Port D'Amesterdam com que despede um Brel eterno, mas é também sanfona rural nordestina, que também exige lenço branco em punho pronto para entrar em acção, ou sons retirados por palhaços em circos vazios, e tocadores solitários nos burgos de um Paris qualquer. E é sobretudo a lembrança do senhor Fioravante, a tocar só para mim, no sejas bem vinda mais belo que tive na vida.

1 comment:

a das artes said...

Já pareço um propagandista, mas o que quero mesmo é engrandecer o site d'A das Artes. E prosas destas não se podem esconder apenas nos blogs. Fico à espera?