Thursday, May 18, 2017
Sunday, May 03, 2015
Tuesday, September 20, 2011
de onde somos
Primeiro, busco saber que fluído corre até à pena. Gostava de me certificar não se tratar de fel. É feio. Faz mal. É fétido.
Ninguém deve criticar o seu próximo por este ter e valorizar uma vida mais tranquila do que a que conheceu, talvez, no passado. É humano. Buscamos conforto, um tecto seguro que não nos caía a cada instante em cima e deixe entrar vento gélido ou traga a imúndice da rua. Limpamos o calçado, ao passar a soleira da porta, deixando lá fora os lixos do mundo. Limpamos também os olhos, os ouvidos, queremos os momentos de paz que merecemos.
Muitos angolanos e naturais de Angola residem em Portugal. Não, não é a mesma coisa, necessariamente. Há naturais de Angola que sempre se consideraram portugueses. Não é crime. Nem errado. Simplesmente é. Há também os que se consideram ambas as coisas, angolanos e portugueses. Natural. Vivências marcantes e longas, afectos, raízes em ambos os locais. Na modernidade torna-se imperioso melhor compreender as múltiplas identidades, que nos devem enriquecer, ao invés de trazerem conflito interior, dúvida e dever de escolhas singulares. A muitos a vida levou a multiplicidades. Contudo, há, de um modo muito geral, um carinho e especial orgulho, nestas pessoas, quando referem a sua naturalidade. Muitos continuam a afirmar que esta última se sobrepõe a questões de nacionalidade, sendo fulcral nas suas identidades. São, sempre foram, sempre se sentiram, continuam a sentir-se angolanos.
Reunem-se, ainda, tantos anos depois, em funjis de domingo. Encontram-se anualmente, revendo colegas e amigos de escola, para confraternizar. E recordar. De memórias somos feitos.
Repetem, com orgulho e, não raras vezes, lágrimas, o seu amor pela terra mãe. E pelas pessoas, falam muito das pessoas. As pessoas continuam lá. Angola não passou a ser desabitada desde que saíram, em convulsão, de vossas terras natais ou de longa permanência e com a qual dizem manter profundos laços de afecto.
Hoje podem recordar ainda melhor. Já não dependem de encontros e troca de fotografias, de visionamento de filmes em salas escuras improvisadas, em que recordam as visitas à Senhora do Monte, os piqueniques e tardes de praia na ilha ou no Mussulo, as idas ao Miramar, os passeios na Restinga. Podem, ainda, quando desejam, seguir a actualidade desses países. E assim o faz grande parte. A partir de suas casas, acedem a sites, a redes sociais, e confraternizam agora segundo as excelentes possibilidades que nossa era permite. Aqui. Neste canto do mundo.
Levanto-me e vou buscar um copo de água. Posso fazê-lo tranquilamente, de tal modo que o gesto não me faz reflectir. É somente um entre muitos gestos do meu dia-a-dia. Tomo a minha água sem receio de contrair uma doença, de forma geral. Caso a contraia, raridade, posso deslocar-me até ao posto de saúde mais próximo. Posso reclamar do tempo de espera, do atendimento. Mas ele chega. Se não chegar, posso reclamar. Posso circular livremente. Sem que a polícia me maltrate, sem que me peça suborno, sem que ponha e disponha da minha vida, como se esta se tratasse de uma folha de papel sujo, a amarrotar e jogar fora. Impunemente. Posso tentar afzer valer os meus direitos, conforme tento cumprir os meus deveres. Muita coisa pode não funcionar pelo melhor, mas a minha voz é escutada. Sem que tal signifique poder ser presa sem qualquer crime ter cometido. Resido num país em que um governo não toma para si a constituição, mudando-a a seu bel prazer. A vida está difícil, a crise grassa. Mas aqueles direitos básicos ainda ali estão. E para quem acredite e se preocupe, justamente, que estes sejam diminuídos a cada dia, existirá, quiçá, na vossa consciência, pelo menos a noção de que as realidades não são equiparáveis nestes pontos referidos.
E toma a sua água. Potável. Senta-se novamente, e continua seguindo os seus grupos favoritos, os seus fóruns, que lhe trazem notícias e recordações lindas dessa tal terra. Escuta a sua música, a música com que cresceu, ao som da qual tanto dançou e foi feliz ou infeliz.
Já saiu para a rua, no país que o acolhe há tantos anos e que também pode chamar de seu, para defender seus direitos. Não o faz pela terra que ficou lá atrás, mas que diz continuar a amar do mesmo modo. Tem todo, todo o direito de assim fazer. É livre. Quer concentrar-se no presente, tem já suas pesadas preocupações (aqui não reside ironia), quer paz e sossego. E isso também não é crime. Mas pense antes de dizer, na próxima vez, se aquela continua a ser a sua terra. E tome a sua água.
escrevinhado por kanuthya no momento 6:01 PM 0 escrevinharam
Tuesday, May 24, 2011
the enemy within
A Visão desta semana traz, como seria de experar, uma reportagem sobre o caso Strauss-Kahn.
Admito dúvida acerca da autoria textual do editorial da revista. O artigo em si, porém, leva-me a pensar que um e outro (editorial e artigo), mesmo que não tenham sido redigidos pela mesma pessoa, partilham idiotice e discurso irresponsável que leva à alimentação de preconceitos.
Da chamada na capa - "Caso Strauss-Kahn, O Mistério do Quarto 2806" - não há crítica a fazer. Inocente até prova em contrário. Basta folhear uma vez para que encontre, junto a foto destacada do indíviduo, o brilhante título que leva à página 78: "O homem que gosta de mulheres". Estou-me nas tintas para que me chamem de chata ou bem pior. Sim, a frase tem de ser contextualizada: tem origem em declarações do próprio a um jornalista do Libération, respondendo a quais seriam, em sua opinião, os pontos fracos que seriam provavelmente alvo de ataque por parte dos opositores na campanha presidencial de 2012 - "Gosto de mulheres. E depois?" (E depois, senhor Kahn, consta que um significativo número destas não goste assim muito de si, já que não parecem cair voluntariamente em seus braços...).
Mas o editorial não fica por aqui. Há que acrescentar algo à caracterização do senhor em causa: "sedutor incorrigível".
Passo para o artigo da página 78. Não me devia espantar, mas constato que o artigo é da autoria de uma jornalista. Igualmente grave e ridículo se fosse de um jornalista. Mas não deixa de ser significativo...
escrevinhado por kanuthya no momento 12:18 AM 1 escrevinharam
Wednesday, August 18, 2010
Chagas de Salitre, Ruy Duarte de Carvalho
Olha-me este país a esboroar-se
em chagas de salitre
e os muros, negros,
dos fortes roídos pelo vegetar
da urina e do suor
a carne virgem mandada cavar
glórias e grandeza
do outro lado do mar.
Olha-me a história de um país perdido:
marés vazantes de gente amordaçada,
a ingénua tolerância
aproveitada em carne.
Pergunta ao mar, que é manso
e afaga ainda a mesma velha costa erosionada.
Olha-me as brutas construções quadradas:
embarcadouros, depósitos de gente.
Olha-me os rios renovados de cadáveres,
os rios turvos de espesso deslizar
dos braços e das mãos do meu país.
Olha-me as igrejas restauradas
sobre ruínas de propalada fé:
paredes brancas de um urgente brio
escondendo ferros de educar gentio.
Olha-me a noite herdada,
nestes olhos de um povo condenado a amassar-te o pão.
Olha-me amor, atenta podes ver uma história de pedra
a construir-se sobre uma história morta
a esboroar-se em chagas de salitre.
in A decisão da idade
escrevinhado por kanuthya no momento 12:32 AM 0 escrevinharam
categorias do amor, gente que nunca parte
Friday, June 18, 2010
Graças
Se tens um coração de ferro, bom proveito.
O meu, fizeram-no de carne, e sangra todo o dia.
José Saramago
escrevinhado por kanuthya no momento 8:31 PM 0 escrevinharam
categorias gente que nunca parte